
[Presente]
Surpreendentemente, o velho casarão não pareceu suportar tão corajosamente o relento dos tempos como me disse o meu avô.
Mesmo tendo seus encantos, a casa velha respirava mal e notava-se o cansaço de sua madeira ao longe.
A relva que ostenta um bonito jardim ladeado de uma fina e frágil cerca amarelada parece não ter envelhecido. Tem um peculiar cheiro a relva acabadinha de cortar. Um cheiro refrescante que contrasta eximiamente com o cheiro a lenha queimada e madeira já não tão nova.
Ao aproximar-me das pequenas escadinhas do alpendre sinto-me num limbo entre gerações, entre passado e o presente.
Á mais pequena pressão a madeira estala e chia como de dor sentisse.
É estranho, consigo imaginar uma longa estirpe a passear, desgastando o soalho do alpendre.
Consigo conceber uma jovem senhora sentada a fumar uma cigarrilha sentada na rede rasgada e velha, apreciando eximiamente o gosto do tabaco.
[Passado]
(Num quarto negro e escuro, um irreconhecível homem amarra uma frouxa e torcida mulher a um velho cadeirão de lenho frio e antigo. Irá transpirar uma ténue linha que iria manchar gerações e gerações.)
- Não me podes manter aqui contra a minha vontade!
- Cala-te!
Não entendes a vontade Dele, ninguém entende! Ele chegou-se me em sonhos distantes, falou-me do Seu objectivo, falou-me de mim e do que necessitava de fazer.
- Perdes-te completamente a razão e o que restava de ti. Não estás destinado a grandes feitos como pensas que estás, és humano como todos nós, não te convenças de uma ideia de sublime no teu destino mediano e mundano.
Atingiu-me de novo, desta vez cedi um pouco e os sentidos misturavam-se com o além.
Estava levianamente consciente. Consciente o suficiente para reconhecer o antigo e rombo punhal que meu pai raptou do pó.
Aproximou-se, fora de si, feito outro ser, desferiu uma fala ininteligível, um murmúrio seco e sinistro. Um murmúrio que conhecia bem.
- Eu amar-te-ei sempre filho.
Negrume.
[Presente]
O velho casarão como que me esperava a muito tempo. Parecia sinistramente vivo.
Agarrei a maçaneta de prata, pesada e imemorial e entrei.
Um bafo quente e estranho como de alivio e pesar se tratasse arrebatou-me os cinco sentidos por completo.
A minha avó sempre me proibiu de vir a esta casa escura. Disse que não era para meninos como eu.
Já sou um homem.
Sorri e entrei dentro da casa, e um sentimento de desconforto caiu-se-me sobre o corpo. Um sentimento de que não deveria estar ali. Um ar pesado pairava em cada passo que dava e velhos quadros de linóleo deitavam-me olhares de esguelha enquanto entrava.
[Passado]
(De volta ao mesmo quarto provecto e recôndito.)
- Não Tinhas o direito de me expurgar de compaixão deste modo!
Não cometi um pecado pois não? Fala-me Senhor!
Alivia o meu pesar com o Teu sentido renegado!
Juntar-me-ei a ti e ao teu semblante perfeito e excomungado de inglória!
(O velho punhal de novo prova o sangue conspurcado de sua família.)
[Presente]
Um velho terço de prata revolvia-se junto a uma grande brecha lateral no hall de entrada como necessitasse de atenção de alguém já há muito tempo.
A casa parecia-me incomodada por algo, sentia-a vazia na maioria. Um vácuo espiritual gravíssimo.
Esta velha casa de família padecia de mercê. Talvez devesse ter ligado importância a
minha avó.
(Senhora sábia a minha avó.)
Algo que eu sentia indigência de oferecer.
Senti-me empurrado diante de uma ignóbil e macabra portinhola vermelha. Um velho chapeu e casaco adornavam a parede a seu lado, intocados, como que se abandonados tivessem sido. Abri-a e senti-me fosco. Senti-me antiquíssimo.
Deixei-me cair. Acheguei e mil memórias vaguearam por mim, procurando algo bem fundo do meu crasso corpo.
Mirei o motivo dos conselhos da minha sábia avó.
E nesse momento soube o que a penúria me levou a oferecer.
Decessa.
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